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A política do massacre


A sociedade brasileira é configurada com um modelo policial fracassado, que deixa dezenas de mortos todos os anos nas operações de extermínio e segregação.


Ilustração sobre a chacina do Jacarezinho. Cristiano Siqueira/Reprodução Instagram @crisvector



8 horas de operação, 29 pessoas baleadas e 28 mortes. Esses números marcaram a chacina realizada na última quinta-feira, dia 6 de maio de 2021, na favela do Jacarezinho (RJ), que é considerada a principal base do Comando Vermelho – facção criminosa. A operação policial, batizada de “Exceptis”, é retratada como o 2ª maior fuzilamento do Rio de Janeiro, registrando o maior número de mortes em uma única ação, sendo inferior apenas ao da Baixada Fluminense em 2005.


No massacre efetuado, as polícias Civil e Militar atuaram com a desculpa de acabar com o tráfico presente na comunidade e investigar a entrada de crianças e adolescentes no crime. A justificativa da operação era cumprir 21 mandados de prisão. Porém 27 civis – residentes do bairro e pessoas que estavam perto do local – e 1 policial foram mortos durante a carnificina e tiveram somente 6 mandados cumpridos. Além disso, os moradores do Jacarezinho sofreram agressões e tiveram suas casas invadidas. Eles também relatam que os falecidos foram executados a sangue frio.


O Alto Comissariado da ONU (Organização das Nações Unidas) para Direitos Humanos deu sua declaração sobre o acontecimento e criticou a violência do movimento no estado. "Estamos profundamente perturbados pelas mortes de 25 pessoas numa operação policial", diz Ruppert Colville, porta-voz da ONU, na coletiva de imprensa no dia seguinte, após a repercussão das mortes. A ONU reconhece a presença de ações criminosas dentro das favelas, "mas a forma de lidar com isso é com responsabilidade por parte das autoridades para garantir que a população civil, mulheres e crianças não sejam afetados", disse o porta-voz. Colville também solicitou a abertura de investigações imparciais. "Pedimos que o Ministério Público realize uma investigação imparcial, completa e independente sobre o caso, seguindo os padrões internacionais", disse ele.


A medida liminar imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que está em vigor desde junho de 2020, suspende operações policiais nas favelas durante a pandemia da Covid-19. No entanto, a essa resolução podem se isentar meramente hipóteses excepcionais, como ações que tenham de cumprir mandados de prisão. Contudo, a aplicação e os motivos dessas exceções devem ser comunicados à Promotoria. Nesse caso não houve nenhum aviso. De qualquer forma, a resolução temporária nunca se fez valer.


Ronaldo Oliveira, delegado e subsecretário operacional da Polícia Civil, falou em um depoimento: “Deixo bem claro aqui que a Polícia Civil não age por emoção. Antes que surja alguma dúvida, para fazer uma operação dessa, há muito planejamento e seguimos muitos protocolos...”. Esse morticínio foi muito bem planejado sim, mas com uma intenção clara de extermínio. Levando em conta que, o combate aconteceu após uma reunião do presidente do Brasil, junto ao comandante do Gabinete de Segurança Institucional, Marcelo Bertolucci, e com o novo governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro. O delegado chega até dizer um absurdo: que as organizações ativistas impendem a atuação da polícia, e, até mesmo, as responsabilizam pela morte do policial, no decorrer da ação.


A maneira como o Ministério Público se esquiva do que aconteceu, reflete no entendimento da sociedade, que vê tais condutas como inteligentes e resolutórias, quando na verdade são execuções. Também é importante lembrar que o Brasil não tem pena de morte, e mesmo se tivesse, não é o agente da polícia quem a executa. A guerra não é contra a delinquência, mas sim contra a população pobre e marginalizada. Ademais, o uso descomunal da força nessas práticas deve ser usado exclusivamente como último instrumento, sendo aplicada “apenas em casos em que há ameaça iminente a vida ou de um sério perigo", alerta a representação dos Direitos Humanos da ONU.


Leandro Fortes, jornalista e escritor, afirma em uma entrevista para a Rede TVT que essa guerra contra as drogas serve unicamente para alimentar a corrupção e assassinar. Pois não sana as dificuldades de proteção e nem controla a entrada de drogas e armas. Assim, beneficiando apenas os verdadeiros bandidos, que são aqueles que realizam o fornecimento.


A revista Ocas” não apoia e nem compactua com o crime, pelo contrário. Posiciona-se criticamente ao abuso de poder, na discriminação e no massacre pela parte das Polícias e do Estado. Mas, principalmente, é contra essa lógica que visa eliminar os pobres e pretos e vê-los somente como seres marginalizados. Com certeza a criminalidade deve ser interrompida, mas com medidas e políticas de segurança pública, aliada ao respeito aos Direitos Humanos, além da reformulação do modelo de policiamento. Pois, as condições como são desempenhadas tais operações as tornam letais e desorganizadas, colocando em risco a vida dos moradores e deixando sequelas irreparáveis.


Luto e solidariedade aos falecidos e as suas famílias.




MELYSSA MARÇULO (Estudante de Comunicação e Redatora)

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