Embora as ruas sejam públicas, elas não são feitas para todos.
Instalação de pedras pontiagudas debaixo do viaduto. (Foto: Banco de Dados do Google)
Muitas pessoas entendem os espaços públicos como um ambiente de passagem e de lazer, porém para uma grande parcela da sociedade, esses meios são moradias. Com isso, a urbanização traz grandes influências para a vivência e comportamento da sociedade. Tais construções buscam distanciar e excluir, ainda mais, as pessoas em situação de vulnerabilidade social.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), atualizado em Junho de 2020, traz números consideráveis e lamentáveis de pessoas que vivem nessa situação, sendo aproximadamente 221 mil de brasileiros. Esse dado é ainda mais acentuado com a pandemia e a crise econômica presente no país, aumentando em 140% a partir de 2012. Porém, mesmo vendo tais estatísticas, esquecemos que são seres humanos por trás.
As pessoas que vivem nesse contexto precário são automaticamente desprezadas e invisibilizadas pela sociedade e pelo Estado, tanto pela falta de políticas públicas, como pela construção arquitetônica de exclusão. Muitas pessoas em situação de abandono até realizam suas próprias invenções para conseguir sobreviver, resistir e se adaptar, porém não devem ser nunca romantizadas. A moradia, assim como a alimentação, é uma necessidade humana básica, que deve ser disponibilizada pelos órgãos públicos à sociedade. Porém, mesmo com leis que viabilizam os direitos humanos – como o Direito à Habitação do Artigo 6 da constituição Brasileira –, a desigualdade social e o anonimato reinam.
Contudo, as revitalizações das arquiteturas urbanas têm em vista promover a privatização e a sustentabilidade econômica do governo, sem solucionar os problemas sociais. Assim, propõe a ocupação de outras pessoas nos espaços públicos, obviamente não sendo a população que vive em situações vulneráveis. Portanto, isola e ignora um problema social progressivo e, novamente, favorece a classe social econômica dominante.
“Sem dúvidas esse modelo de arquitetura hostil e exclusivo faz parte das políticas de higienização social do governo, que, cada vez mais, buscam criar um cenário em que temos a falsa impressão de que parcerias com a iniciativa privada, para revitalizar esses espaços são uma boa escolha.” Diz Iagor Folquito, estudante de Arquitetura.
Alguns exemplos da arquitetura de exclusão foram a instalação de pedras pontiagudas debaixo dos viadutos Nansen Araújo (BH) e Dom Luciano Mendes (SP), a fim de impedir a habitação dessa comunidade pária. Também há o caso da revitalização do Vale do Anhangabaú, no Centro de São Paulo, que instalou bancos com divisórias de ferros e fontes de água, inviabilizando que as pessoas se abriguem nesses espaços. Tais projetos se anunciaram com o intuito de renovar as cidades, mas, na verdade, tem o objetivo de privar e afastar esse grupo marginalizado.
O embelezamento visa seguir uma lógica capitalista, já que realiza a instalação de comércios de luxo, que impedem a permanência dessas pessoas para transitarem e se asilarem. É uma estratégia de tornar os espaços públicos de maneira privatizada e elitizada, que é mostrada de forma indireta, porém vemos isso escancaradamente. Portanto, realizar essas instaurações é uma maneira desumana e hostil, deixando a desigualdade social sem perspectivas de mudança, além de provocar e ampliar o retrocesso e a exclusão.
A construção dessa arquitetura não diz respeito a zelar pelo espaço urbano e público, mas sim a criação de barreiras e estratégias discriminatórias que induzam o isolamento dessa população invisibilizada. Portanto, esses projetos de revitalização têm em vista desvincular o contato e convívio com esse grupo indesejado, assim configurando os espaços com o intuito de extinguir. É muito mais fácil e vantajoso para o Estado gastar milhões com essas construções hostis, do que oferecer moradias e suporte.
Iagor complementa o assunto dizendo que: “O que falta é uma relação mais próxima e sincera entre o governo, a cidade como um todo e essas pessoas que estão em situação de rua, para que assim sejam desenvolvidas soluções e medidas eficientes, ao invés de simplesmente mascarar o problema e forçar essas pessoas a se abrigarem em regiões mais afastadas dos grandes centros. Em paralelo a isso temos uma população que já naturalizou esse tipo de situação e que é preciso um idoso (Padre Júlio Lancellotti) arrancar as pedras que foram instaladas debaixo de um viaduto com uma marreta para sensibilizar a população.”
A crítica se refere à ineficiência e inexistência de políticas públicas e à arquitetura e urbanização das cidades que excluem essa comunidade. Mas a responsabilidade dos problemas de invisibilidade e exclusão cabe a nós também, como sociedade, e, principalmente, ao Estado, que não mobiliza projetos para sanar as dificuldades e desigualdades sociais estruturadas no país.
As pessoas que são sujeitadas a ir morar nas ruas, independente do motivo, tem diferentes realidades, assim, devemos vê-las como seres humanos com suas individualidades e potenciais. Essa comunidade luta por visibilidade e oportunidade, que são sempre negadas, implorando por sua dignidade. Além disso, não podemos ver e tratar essas pessoas como indivíduos que tem o desejo de ir para a rua, pois eles vão por fatores que os condicionam, como o desemprego. Sendo assim, o Poder Público deve investir na implantação de políticas públicas e de projetos de apoio à essa população, incluindo a inserção de habitações regulares.
A cidade que vivemos não é inclusiva, tanto nas ocupações de espaços, como de convivências, e isso não é de hoje. Por isso precisamos refletir sobre essa ótica planejada e estratégica que deseja provocar a exclusão, a invisibilidade, a indiferença, o desprezo e o abandono. Portanto, além de ser um problema social, é um problema público.
MELYSSA MARÇULO (Estudante de Comunicação e Redatora)
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