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QUANDO A #FIQUEEMCASA SIGNIFICA ESTAR NAS RUAS


A pandemia evidenciou ainda mais a precarização da população em situação de abandono, que não sabe quando e nem se todos serão vacinados.


Ilustração de Nicolas Braz: As adversidades enfrentadas pela população em situação de risco social para conseguir se vacinar.



A vacinação no Brasil, que começou no dia 17 de janeiro, atingiu até hoje apenas 19,06% da população com a primeira dose, segundo o consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde atualizados em 19 de maio. Os canais de comunicação massivos apresentam diariamente o andamento da imunização na sociedade, mas comentam pouco, ou nada, sobre a acessibilidade e a necessidade da população em situação de rua de se vacinarem.


O último censo realizado em 2019, segundo a Prefeitura de São Paulo, registrou 24 mil pessoas em situação de vulnerabilidade social na capital paulista, representando um aumento de 53% em quatro anos. Porém, foi estimado pelo Movimento Estadual da População em Situação de Rua, que esse grupo tenha dobrado, chegando a 50 mil pessoas. Tal crescimento tem como principais causas a pandemia e a crise econômica do país.


A Prefeitura de São Paulo se pronunciou apenas duas vezes sobre a vacina a ser oferecida para essa comunidade. Na primeira no dia 11 de fevereiro, em que atendeu o pedido realizado pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública, anunciou que 2,2 mil pessoas que vivem em situação de abandono com idade superior a 60 anos na cidade iriam começar a serem vacinados. A segunda, e última, declaração, em 25 de março, noticiou que a essa população da capital com mais de 18 anos poderá ser imunizada contra o coronavírus. Mas para isso, terão que se cadastrar nos centros de acolhimento da Prefeitura.


Em 12 de janeiro houve o primeiro imunizado desse grupo na cidade de São Paulo, João Sotero, de 63 anos, que vive nas ruas há 10 anos. "Eu não esperava a vacina. Para mim foi uma surpresa, eu não sei o que dizer, mas não estava com essa expectativa de ser vacinado. Emoção, estou emocionado", disse ele a repórter do G1.


A gestão municipal afirmou que os vacinados recebem uma cópia do comprovante de vacinação, enquanto a outra ficará com a equipe. Eles também serão orientados quanto ao prazo de retorno para receber a segunda dose. O programa de imunização contará com cerca de 500 profissionais que atuarão na logística de 50 carros para deslocamento e aplicação da vacina.


"Contamos com uma longa experiência com este tipo de atendimento, como aconteceu no ano passado, com a vacinação contra o H1N1. Temos o prontuário eletrônico e acompanhamos a vida deste morador de rua, indo ao encontro dele. Normalmente não é ele que se dirige ao equipamento de saúde, são as nossas equipes que vão até ele, tanto para controlar a aplicação da primeira dose, como para dar a segunda", explicou o secretário municipal de saúde, Edson Aparecido.


A vacina para os cidadãos que vivem em uma condição de extremo risco social, sem exceção de idade ou cadastros, deve ser prioridade, ainda mais que estão entre as 27 categorias preferenciais que constam no PNI (Plano Nacional de Imunização), além de não terem suporte e recursos. Não se trata deles “furarem a fila”, mas também exercerem o direito e acesso à imunização. Também é obrigação do Governo ir atrás destas pessoas para que garantam a sua proteção contra o vírus, pois nem todos buscam ou conhecem os serviços oferecidos por seu município.


“As pessoas em situação de rua são populações de risco, por isso priorizamos incluí-las na vacinação bem como os trabalhadores que lidam com essa população. Eles são profissionais que continuaram fazendo o atendimento para abrigamento e em centros de acolhida”, comenta Franciele Finfa da Silva, coordenadora da Vigilância à Saúde de Diadema.


Essa comunidade não tem recursos básicos de proteção disponíveis, como máscaras, álcool gel, água potável e o acesso à informação sobre o programa de vacinas. Por isso, é preciso pensar e aplicar políticas especiais e emergenciais a essa população diariamente, mas principalmente no momento trágico e delicado que estamos passando com a pandemia. Para ajudar a proteger essa população é necessário a implantação de postos de higienização com os insumos adequados, além de ter assistentes sociais nesses locais para levar o conhecimento.


Tanto se fala nessa pandemia sobre se cuidar e ficar em casa, mas e quem nem se quer teve uma? É uma problemática gigante que passa invisível para a sociedade, por estarmos tão cômodos com essa triste realidade. Além disso, o isolamento para essas pessoas é inviável por conta de um motivo claro: estes, muitas vezes, não têm abrigos para se hospedarem e, por isso, são obrigados a viver nos espaços públicos.


A ilustração acima, do artista Nicolas Braz, mostra explicitamente as dúvidas e a dificuldade enfrentadas por esse grupo de risco em relação a apresentação de documentos – RG, comprovante de residência e carteira de vacinação – na hora de agendar e se vacinar. Essa situação é extremamente incoerente com eles, já que muitos não têm esses documentos e moram nas ruas.


"Não há política de contar, nem de fazer vigilância em saúde ou socioassistencial, para saber onde essas pessoas estão, quais são suas características, suas necessidades, para de fato atendê-las.", disse Padre Júlio Lancelotti em uma conversa com a CNN Brasil em janeiro de 2021. "A invisibilidade social da população em situação de rua é reproduzida na incapacidade do Estado de contá-los, de pensar em suas necessidades", complementa o Lancelotti.


Além do mais, é possível observar o despreparo e a falta de estrutura do Estado ao lidar com essas pessoas menosprezadas e o seu aumento exponencial. Portanto, a escassez e a morosidade do processo de vacinação é um reflexo da má gestão pública do país. Afirmar que o comportamento do atual governo em relação a pandemia não é genocídio, é o mesmo que apoiar as 440 mil mortes pela Covid-19. Portanto, negar o acesso à informação e ao direito de dignidade, é negar a cidadania e colaborar para a exclusão, a invisibilidade e o anonimato dessa comunidade.




MELYSSA MARÇULO (Estudante de Comunicação e Redatora)

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